Pinguim é uma história de vilão sem medo de ser uma história de vilão | Crítica
- André Keusseyan
- 23 de nov. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 25 de jan.
Série derivada de The Batman brilha ao não glorificar nem atenuar as ações de seus personagens

Quando noticiou-se que uma série de TV, derivada do filme The Batman (2022), focada em um dos vilões da galeria do Homem-morcego, seria produzida pela HBO, logo se pensou no Coringa. Afinal, além de ser o principal antagonista do herói (tendo inclusive protagonizado dois filmes para o cinema), a chegada do personagem ao universo criado por Matt Reeves já havia sido prometida em duas oportunidades (interpretado por Barry Keoghan, o príncipe palhaço do crime surge rapidamente no final do longa original e interagindo com o próprio Batman em uma cena cortada que foi, posteriormente, divulgada na internet). Outro nome especulado foi o do próprio Charada. Principal antagonista do filme de 2022, o personagem interpretado por Paul Dano, em elogiada performance, era um dos cotados para ter sua história de origem contada na série da HBO.
No entanto, para a surpresa de muitos fãs da DC Comics, o escolhido foi o Pinguim. Sejamos francos, mesmo sendo um dos maiores inimigos do Cavaleiro das Trevas, Oswald Cobblepot não está no topo da lista dos fãs para ganhar uma trama própria. Não à toa, a última aparição do personagem em live-action havia sido há 32 anos, em Batman, O Retorno, longa de 1992 onde foi interpretado por Danny DeVito. Desde então muitos rumores rondaram o personagem até que Colin Farrell fosse escalado para interpretá-lo no universo de Reeves.
É curioso que um caso semelhante tenha ocorrido, simultaneamente, em um famoso “concorrente” da DC. Recentemente a Marvel lançou a série Agatha Desde Sempre, oriunda do sucesso Wandavision, a produção focada em Agatha Harkness (antagonista da Feiticeira Escarlate na série original) era vista com descrença, uma vez que a bruxa não figurava entre as prioridades dos fãs para a Saga do Multiverso. Felizmente, a série superou essa desconfiança e se tornou um dos maiores sucessos do MCU. É gratificante, portanto, ver que um raio pode sim cair duas vezes no mesmo lugar, pois tal qual Agatha, Pinguim também surpreende, contando uma história sombria e violenta que não tem medo de mostrar o gângster como ele é: um vilão.
Ambientada após os eventos de The Batman, a série acompanha Oswald Cobblepot (Farrell), chamado apenas de Oz Cobb, em sua jornada para se tornar o chefão do crime organizado de Gothan.
Diferente de outras produções focadas em vilões, Pinguim triunfa por não tentar humanizar seu protagonista para que o público tenha empatia por ele. Oz não tem motivações nobres, nem um passado traumático para justificar suas escolhas na vida. Pelo contrário, quanto mais nos aprofundamos nas origens do gângster, principalmente em sua complexa (pra dizer o mínimo) relação com a mãe (Deirdre O’Connell), mais percebemos o quão doentia e perversa sua mente é. O Pinguim é mau e ponto.

Méritos para Matt Reeves e Lauren LeFranc (criadora e showrunner da série) que aproveitam a liberdade de uma produção para a TV fechada, e tomam a corajosa decisão de pisar fundo na violência e maldades, deixando bem claro que Oz não é alguém que mereça ser glorificado. Aproveitando o vácuo de poder deixado no submundo de Gothan após a morte do mafioso Carmine Falcone (Mark Strong, assumindo papel que foi de John Turturro em Batman), vemos que o Pinguim não mede esforços para conseguir o que quer, não importa quantos ou quais corpos ele tenha que deixar pelo caminho.
Tudo isso é abrilhantado pela performance primorosa de Colin Farrell. O astro cumpre com louvor a tarefa de assumir o papel de protagonista após aparecer em poucas cenas de The Batman. Por debaixo das pesadas camadas de maquiagem, Farrell desaparece completamente, entregando um vilão que é ao mesmo tempo carismático e ameaçador. Apesar das maldades que comete ao longo da série, o carisma de Farrell, somado ao jeito malandro do protagonista quase que nos fazem esquecer de que estamos acompanhando uma pessoa horrível e, por muitas vezes, nos vemos torcendo para que Oz conquiste tudo que sempre desejou. Eu digo quase, porque do outro lado existe alguém para nos lembrar quem é Oswald Cobblepot e o que algumas pessoas são capazes de fazer para conseguir poder.
Assumir o controle do submundo de Gothan City exige um desafio à altura da tarefa. É aqui que entra uma das adições mais surpreendentes que Matt Reeves poderia dar para seu universo. Mais conhecida pelo papel da "mãe" na última temporada de How I Met Your Mother, Cristin Milioti rouba a cena como Sofia Falcone.
Retornando a Gotham após cumprir pena no Asilo Arkham, a filha do ex-chefão da máfia Carmine Falcone está longe de ser apenas uma figura antagônica que vai disputar com o Pinguim o controle do crime na cidade. Pelo contrário, herdar o império do pai não está na lista de prioridades de Sofia que, após ser traída e abandonada pela própria família, o que a personagem mais quer é se vingar.

Milioti entrega uma atuação memorável, construindo uma personagem tão sensível quanto trágica. O destaque é tão grande que Sofia ganha um episódio inteiro para chamar de seu. “Cent’anni”, o quarto capítulo da série, foca no passado da personagem e sua derrocada, tanto física quanto mental, durante o tempo que passou no Arkham. O episódio destaca bem as diferenças entre Sofia e Oz e acaba sendo, talvez, o mais marcante de toda a série.
Se a produção tem algum ponto para ser visto como negativo pelos fãs mais apaixonados da DC, esse ponto passa pela ausência do morador mais ilustre de Gotham City. Afinal, onde está o Batman? Ao longo dos oito episódios da série, uma nova droga é liberada nas ruas da cidade e uma sangrenta guerra entre as principais famílias mafiosas explode sem que o Cavaleiro das Trevas seja sequer mencionado.
Claro, é completamente compreensível que uma participação de Robert Pattinson em carne, osso, capa e máscara iria roubar completamente os holofotes de Oz, Sofia e companhia. No entanto, o fato Cruzado Encapuzado não ser mencionado em momento algum, nem mesmo por Oz que foi perseguido pelo vigilante no longa original, causa certa estranheza. Ainda mais quando lembramos que a sequência inicial do filme de 2022 mostra o herói explicando que apesar de não poder estar em todo lugar, o medo que conseguiu colocar nas mentes e corações dos criminosos de Gotham foi tão grande que eles temem apenas a possibilidade do Batman estar lá escondido, observando-os nas sombras.
Colocar na série apenas uma cena com Oz ou um de seus capangas tensos diante presença ou não do vigilante mascarado já seria o suficiente não só para saciar a vontade dos fãs, mas também para reforçar aquela sensação de que estamos no mesmo universo, que só não é perdida graças à fotografia e ao clima soturno de The Batman que retornam na produção da HBO.
No final, isso pode acabar sendo visto apenas como preciosismo de fã. A ausência do Homem-morcego está longe de influenciar na percepção geral da série que supera o “problema” com uma história envolvente, além de atores, diretores e roteiristas habilidosos. Superando todas as expectativas, Pinguim se firma como uma das melhores séries do ano e também como uma das melhores produções da DC.