The Last of Us decreta o fim da “maldição das adaptações de videogame” | Crítica
- André Keusseyan
- 27 de mar. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 25 de jan.
A nova produção da HBO, baseada no game de sucesso, entrega tudo que prometeu e muito mais.

Quando a HBO anunciou que faria uma série baseada no game The Last Of Us (2013) muitos fãs ficaram preocupados, afinal o histórico das adaptações de videogame para TV ou cinema nunca foi positivo. Apesar de alguns filmes e séries como, Sonic (2020) e Arcane: League of Legends (2021) conseguirem se destacar, virando sucesso de público e critica, a maioria das produções do gênero não só fracassavam em agradar os fãs dos jogos como também em conquistar um novo público.
A série vinha então com a promessa de quebrar de vez a “maldição das adaptações de videogames”. Comandada por, Neil Druckmann, diretor criativo do jogo e por Craig Mazin, da premiadíssima série Chernobyl (2019), a produção conta a história de Joel (Pedro Pascal) e Ellie (Bela Ramsey) de maneira primorosa, não só reproduzindo com extrema fidelidade as principais cenas e diálogos do jogo, mas também expandindo a história dos protagonistas e de todos que os cercam.
Durante nove episódios a série cobre todos os eventos do primeiro jogo. Neil e Craig formaram a dupla ideal e escreveram um roteiro exemplar que mescla perfeitamente momentos de narrativa com momentos de gameplay, como Joel e Ellie revistando gavetas atrás de suprimentos, ou com o personagem de Pedro Pascal erguendo a companheira até um lugar alto para que esta lhe desça uma escada.
No entanto, momentos com muito gameplay foram cortados, como os confrontos com os infectados. No jogo, a quantidade de inimigos precisa ser alta e constante para que o jogador tenha o que fazer e não fique apenas assistindo. Na série, onde o espectador não tem o controle na mão, ficar assistindo os personagens passarem por situações de quase morte a cada cinco minutos, para depois nada ocorrer, poderia se tornar cansativo e tirar todo o peso da ameaça, afinal porque temer algo que você mata a todo instante? Por esse motivo,tivemos poucos momentos em que os monstros realmente são o foco, tendo inclusive episódios inteiros sem a aparição deles. Mas quando aparecem, causam impacto!

Misturando maquiagem, efeitos práticos e CGI para a criação de todos os infectados pelo Cordyceps, temos como resultado monstros realmente assustadores que parecem ter saído diretamente do jogo, com destaque para os temidos Estaladores e para o poderosos Baiacu. Claro que é impossível não ficar com um gostinho de “quero mais”, mas ao escolher mostrar os infectados apenas quando eles realmente impactam na narrativa, como no desfecho do arco de Henry e Sam no quinto episódio, a série eleva o grau de periculosidade das criaturas.
Desde o primeiro minuto fica claro que a HBO não poupou esforções para fazer de The Last of Us um exemplo de adaptação. A fotografia, montagem e sonorização andam em perfeita sincronia para transmitir ao espectador ora sensibilidade, como no flashback de Ellie no episódio sete, ora tensão, como o encontro com os Estaladores no segundo episódio.
O elenco é outro acerto da produção. Pedro Pascal brilha como Joel, dando ao personagem novas camadas, principalmente nos momentos de maior dramaticidade. Mas quem rouba a cena mesmo é Bella Ramsey que incorporou toda a personalidade de Ellie de forma sublime. De sua inocência a sua selvageria, de seu lado cômico ao dramático, a forma como olha, a forma como sorri, até a forma como fala, fazem de Bella mais Ellie do que a própria Ellie (sem desmerecer Ashley Johnson obviamente). Com certeza a atriz surge como uma das principais candidatas na próxima temporada de premiações.
Por falar em Ashley Johnson, vale destacar as homenagens que a série faz aos atores que deram vida a seus personagens no jogo. Merle Dandridge, que da vida a personagem Marlene, repete o mesmo papel na série. Já os atores Troy Baker e Jeffrey Pierce, Joel e seu irmão Tommy respectivamente, fazem uma ponta como membros dos dois grupos de inimigos a cruzar o caminho dos protagonistas. Quanto a Ashley Johnson, nossa querida Ellie, a série homenageia a atriz da maneira mais bonita possível, dando a ela o papel de Anna, mãe de Ellie. A aparição da atriz é curta, mas importante, revelando pela primeira vez o porquê de Ellie ser imune ao fungo Cordyceps.
No elenco secundário, meus destaques vão para Nico Parker como Sarah, filha de Joel, com uma atuação que, apesar de curta, conquista o público desde o primeiro minuto, Scott Shepherd no papel do odioso vilão David, e Nick Offerman e Murray Bartlett como Bill e Frank respectivamente, contando uma história de amor que encanta e comove o espectador.

A história de Bill e Frank, provavelmente é o momento mais polêmico da série, pois aqui o diretor Neil Druckmann optou por alterar os acontecimentos do jogo para dar mais destaque ao relacionamento dos personagens e expandir uma história que, no videogame, é apenas mencionada. Com certeza é o episódio com mais diferença entre jogo e série, mas o resultado é uma aula de construção de personagens que, a principio, pode soar como uma espécie de “filler”, mas tem impacto direto no desenvolvimento de Joel e em sua grande decisão no episódio final.
A importância do episódio vai além das telas por tratar de forma tão sensível o relacionamento entre dois homens. Não é segredo que os desenvolvedores do jogo sempre presaram pela diversidade e além de Bill e Frank, tanto o jogo de 2013 quanto sua sequencia, The Last of Us part II (2020), possuem um grande número de personagens LGBTQIA+. Como a própria Ellie, cujo passado é explorado com imensa sensibilidade e sutileza, em uma história que fala sobre a descoberta da sexualidade.
The Last of Us encerra a “maldição das adaptações de videogames” de forma triunfal, e mostra que para fazer uma adaptação live-action consistente de um game, basta respeitar sua essência, que é o que torna a franquia tão amada pelos fãs. A série consegue não só agradar seus fãs de longa data, mas também conquista pessoas que nunca ouviram falar na obra e com uma segunda temporada já confirmada, as expectativas não poderiam ser melhores.
É gratificante ver que após 10 anos, The Last of Us continua tão impactante quanto foi em seu lançamento em 2013.